No Dia do Coração, conheça os profissionais que assumem os batimentos durante cirurgia

No Dia do Coração, conheça os profissionais que assumem os batimentos durante cirurgia

Fotos: Vinicius Becker (Diário)

Victor é natural do Mato Grosso e atua como perfusionista em Santa Maria há seis anos

Hoje é celebrado o Dia Mundial do Coração, ou seja, do órgão vital para o funcionamento do corpo humano, responsável por um trabalho que ninguém consegue substituir. Mas em cirurgias de alta complexidade, vem o desafio: como operar um órgão que está sempre em movimento? É nesse momento que entram em cena os perfusionistas, profissionais que, com a ajuda de uma máquina repleta de sensores e controles, assumem temporariamente as funções vitais do paciente. Por algumas horas, os aparelhos se tornam o coração e os pulmões, mantendo circulação e oxigenação, garantindo que cirurgias delicadas sejam possíveis.

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Em Santa Maria, apenas dois profissionais são responsáveis por essa função: os perfusionistas Roberta Senger e Victor Rodrigues, ambos enfermeiros, que operam a máquina de circulação extracorpórea (CEC) no Hospital Universitário (Husm) e Complexo Hospitalar Astrogildo de Azevedo. O uso do aparelho garante que o cirurgião tenha um campo livre de movimentos e sangramentos para realizar procedimentos delicados, como revascularização do miocárdio, troca de válvula aórtica ou correção de aneurismas.

– Parece simples quando as pessoas nos veem trabalhar, mas não é. Temos a vida daquela pessoa em nossas mãos, conectada a nossa máquina – diz Roberta, natural de Novo Hamburgo e que atua há 25 anos na área.

Roberta e Victor são os únicos perfusionistas em Santa Maria e se dividem com demandas em dois hospitaisFoto: Vinicius Becker (Diário)


Como funciona na prática

As cânulas são colocadas pelos cirurgiões responsáveis pelo procedimentoFoto: Vinicius Becker (Diário)

A máquina se conecta ao corpo do paciente por meio de tubos chamados cânulas, que permitem que o sangue seja desviado do coração e circulado pelo equipamento durante a cirurgia. As cânulas venosas retiram o sangue do corpo e o encaminham para o reservatório da máquina, onde ele será oxigenado e filtrado. Em seguida, as cânulas arteriais devolvem o sangue tratado de volta ao corpo, garantindo que a circulação e a oxigenação se mantenham constantes enquanto o coração está parado.

A bomba cardíaca empurra o sangue pelo corpo, enquanto o oxigenador funciona como pulmão artificial, adicionando oxigênio e removendo dióxido de carbono. O reservatório venoso mantém o fluxo contínuo, e filtros e sistemas de monitorização controlam pressão, temperatura e parâmetros químicos essenciais.

Na prática, o sangue é retirado do paciente, passa pelo reservatório e oxigenador e retorna ao corpo, mantendo circulação e oxigenação enquanto o coração está parado. A máquina também permite controle de temperatura, correção de eletrólitos e autotransfusão, devolvendo o sangue do próprio paciente e reduzindo a necessidade de transfusões externas.



Pulmão e coração

Os ajustes necessários são feitos durante o procedimento. Um dos cuidados é evitar a entrada de ar junto do sangue na máquina, que pode causar complicações

Enquanto o paciente está em cirurgia, a responsabilidade dos perfusionistas vai muito além de operar a máquina. Eles monitoram a pressão arterial, o fluxo sanguíneo e, principalmente, os gases que mantêm o corpo funcionando.

– Somos o pulmão artificial, fazemos a hematose, que é a troca do gás carbônico pelo oxigênio. Tudo é guiado por parâmetros e exames, para manter a função hemodinâmica do paciente o mais próximo possível da fisiologia – explica Victor.

Reconhecimento e formação

Foto: Vinicius Becker (Diário)


A perfusão é uma área de atuação reconhecida no Brasil para cinco profissões: enfermagem, biomedicina, biologia, fisioterapia e farmácia. No entanto, não existe curso de graduação específico. Para atuar, é preciso se formar em uma dessas áreas e depois se especializar, passando por treinamento prático em dezenas de perfusões orientadas.

– Não pode ser uma formação puramente teórica, porque senão ele não consegue manejar a máquina depois, porque ela tem muitas especificidades, é um procedimento muito complexo. Hoje a gente vê que muitos alunos da da graduação não conhece como uma possível área de atuação. Então, é um mercado que a gente tem muitas cirurgias e ao mesmo tempo pouco profissional, o que acaba sobrecarregando. Por isso, estamos com duas meninas aqui para ajudar nessa parte de formação – explica Victor, que há seis anos veio do Mato Grosso para Santa Maria atuar como perfusionista.

Novas gerações

Foto: Vinicius Becker (Diário)

As aprendizes são Daniela Moreira e Maria Eduarda Barbosa Quevedo, ambas de 28 anos e pós-graduandas em circulação extracorpórea. Técnicas e enfermeiras, elas acompanham de perto o trabalho dos perfusionistas no Husm. 

Para Daniela, a rotina no hospital foi o ponto de partida. Ao acompanhar de perto os pacientes que chegavam da cirurgia cardíaca, via os relatos dos perfusionistas sobre os procedimentos. Aos poucos, o interesse cresceu. A afinidade com a fisiologia e a anatomia, áreas que sempre a encantaram, encontrou sentido ao conhecer a máquina.

– Eu me apaixonei pela perfusão, acho que me encontrei. É algo que me mantém sempre em busca de novos conhecimentos. Quando chegamos para a cirurgia, sentamos, conversamos sobre o caso, em que aspectos poderíamos melhorar. Também parabenizamos as boas ações, mas o mais satisfatório é saber que fizemos parte do transoperatório da cirurgia e conseguimos entregar o paciente para a família em boas condições.  Acompanhamos o paciente no pré, durante e no pós-operatório. Não desmontamos a máquina e vamos embora; levamos o paciente para a UCI, acompanhamos os médicos da anestesia e os residentes, e só saímos quando vemos que ele está estabilizado. O que o Victor e a Roberta nos mostraram é esse senso de pertencimento – relata.

Foto: Vinicius Becker (Diário)


Já Maria Eduarda também mudou os rumos da carreira. Depois de oito anos como técnica, começou a pós-gradação no último semestre da faculdade de enfermagem e encontrou na perfusão uma nova possibilidade. Ela acompanha os procedimentos na instituição desde dezembro de 2024.

- Eu já não queria mais a área da enfermagem convencional ou intensivista, e hoje, eu tenho esse desejo de continuar na perfusão, que é uma coisa que me encanta muito. Fazer o procedimento e depois ver que esse paciente está acordado, orientado e respirando sozinho, é porque a gente fez um bom trabalho. Então, é gratificante demais ver que deu certo. É é uma profissão pouco conhecida, quando comento com pessoas do meu ciclo que estou estudando, elas perguntam e percebem que é algo grande e complexo, e que exige muito estudo, porque tudo o que fazemos tem impacto direto sobre o paciente, seja imediatamente ou depois – completa.

Maria Eduarda faz os ajustes iniciais na máquinaFoto: Vinicius Becker (Diário)


Para Roberta, a experiência vem sendo positiva.

– As gurias são maravilhosas. A gente fez realmente um projeto de extensão para trazer elas junto da gente, porque eu e o Vitor  somos bem metódicos e  quando tu vai ensinar, tu tem que ter confiança nessas pessoas, porque tu gostaria que elas fizessem da mesma forma que tu faz, com dedicação, atenção, e as gurias merecem essa nossa dedicação para elas.

Foto: Vinicius Becker (Diário)


Três anos de espera por uma melhor qualidade de vida

Nélcio horas antes do procedimento que aguardou por três anosFoto: Vinicius Becker (Diário)

A máquina é necessária para cirurgias como a de Nélcio Paulo da Silva, 68 anos, que aguardava ansioso pelo procedimento. Após três anos na fila para fazer o procedimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ele recebeu a tão esperada ligação confirmando a cirurgia cardíaca. Ele apresentava uma doença chamada insuficiência aórtica, caracterizada pelo refluxo de sangue na válvula aórtica. Isso significa que a válvula não consegue fechar adequadamente, fazendo com que parte do sangue retorne ao coração em vez de seguir para o corpo. 

Victor explica que esse refluxo leva ao acúmulo excessivo de sangue nas câmaras cardíacas, causando dilatação, sobrecarga e, com o tempo, complicações graves. A solução, segundo ele, é a troca da válvula aórtica. O procedimento consiste em acessar o coração pela aorta, medir o anel da válvula com instrumentos específicos e escolher a prótese adequada. No caso, a equipe utilizaria uma válvula metálica.

- A partir do momento em que a válvula é substituída, o fluxo do sangue passa a seguir normalmente para onde deve ir, sem refluxo - explica Victor.

Com a correção, a expectativa é de uma melhora expressiva na qualidade de vida do paciente. 

- Ele deve deixar de sentir falta de ar e ter ganhos importantes no dia a dia. É uma cirurgia mais tranquila, mais rápida em comparação a outros procedimentos cardíacos - acrescenta o perfusionista.

Horas antes da cirurgia, ele repousava tranquilo junto da esposa Eloá do Carmo da Silva, com quem divide a vida há mais de 30 anos. Com um rádio de pilha em mãos, ouvia atento as notícias da região.

Emocionado, ele conta que era o nono da fila, estava desacreditado que iria realizar o procedimento ainda em 2025, até que o telefone tocou e trouxe a boa notícia. 

Foto: Vinicius Becker (Diário)

O procedimento de Nélcio foi realizado no início do mês de setembro sem qualquer intercorrência. No dia 15, ele recebeu alta e voltou com a esposa para casa, em Agudo.

Válvula que foi colocada no coração de Nélcio


Estrutura 

Além disso, Roberta destaca que no Husm, todos os pacientes em cirurgia cardíaca passam por um processo de autotransfusão, prática considerada rara em hospitais públicos no Brasil. A decisão de adotar o método veio após um trabalho publicado pela própria equipe que comprovou os benefícios: a técnica reduz o consumo de bolsas de sangue do banco de sangue, diminui o tempo de internação e pode evitar complicações no pós-operatório.

Apesar de não ter cobertura pelo SUS, o hospital optou por manter o recurso mesmo arcando com os custos, já que, a longo prazo, o investimento se mostra economicamente vantajoso e clinicamente seguro.

Foto: Vinicius Becker (Diário)


Além disso, a instituição conta com equipamentos modernos, como a bomba centrífuga, que substituiu a antiga bomba rolete há pelo menos duas décadas. Em grandes hospitais do país, o modelo mais antigo ainda é utilizado, mas em Santa Maria o trabalho já é realizado com a tecnologia.


HUSM concentra atendimentos cardíacos de alta complexidade para mais de 30 municípios

Luiza coordena a Unidade de Sistema Cardiovascular do Husm

Referência regional em cardiologia, a Unidade de Sistema Cardiovascular do Hospital Universitário de Santa Maria é responsável por atender pacientes vindos de 33 municípios. Sob a chefia da enfermeira doutora Luiza Cremonese, o setor reúne desde consultas ambulatoriais até procedimentos cirúrgicos de alta complexidade, funcionando como centro estratégico para o tratamento de doenças do coração na Região Central do Rio Grande do Sul.

Segundo Luiza, a porta de entrada pode ser o pronto-socorro, mas também há casos de pacientes encaminhados de hospitais menores, UPAs ou unidades de saúde da região. 

- A gente programa a vinda conforme a nossa capacidade e a gravidade dos quadros. Muitas vezes, são pacientes que não conseguem ser tratados em seus municípios de origem e que precisam desse suporte especializado aqui - explica.


Estrutura e serviços

Foto: Vinicius Becker (Diário)

A unidade é organizada para oferecer atendimento integral. Entre os serviços estão a hemodinâmica, responsável pela cardiologia intervencionista e por exames como o cateterismo, além da internação clínica, do ambulatório e da cirurgia cardiovascular. Também são realizados exames diagnósticos como holter, teste ergométrico e ecocardiografia.

Na prática, o HUSM realiza uma média mensal de 16 cirurgias cardíacas. Já no setor de hemodinâmica, são cerca de 40 procedimentos entre diagnósticos e tratamentos. O atendimento pode ocorrer de forma eletiva, por sobreaviso ou até em situações emergenciais, quando há risco imediato para o paciente.

Mutirões para reduzir filas

Com a alta demanda, a unidade também organiza mutirões frequentes de consultas, ecocardiogramas, cateterismos e implantes de marca-passo. O objetivo é reduzir o tempo de espera dos pacientes, muitos deles em estado grave.

- Esses mutirões têm ajudado bastante, porque conseguimos atender pacientes que estavam há muito tempo na fila. Isso dá uma vazão melhor e, principalmente, garante que essas pessoas recebam o tratamento necessário antes que o quadro se agrave ainda mais - destaca Luiza.

Atualmente, cerca de 400 pacientes aguardam cirurgia cardíaca e outros 450 esperam por cateterismo. A fila de marca-passo, por outro lado, foi zerada recentemente. 

- Hoje não temos pacientes aguardando para implante de marca-passo na nossa fila interna, mas sabemos que há casos na rede. Estamos conversando para organizar a chegada desses pacientes até o hospital.

Um dos diferenciais do HUSM é a articulação com a rede de saúde, por meio da chamada linha de cuidado em cardiologia. Esse fluxo inclui não apenas setores internos do hospital, mas também a 4ª Coordenadoria Regional de Saúde e o Conselho Municipal de Saúde, permitindo um acompanhamento mais amplo e organizado dos pacientes antes e depois da internação.

- Nosso compromisso é com o cuidado integral. Não se trata apenas de atender aqui dentro, mas de garantir que o paciente seja acompanhado em todas as etapas, desde o pré até o pós-tratamento - reforça a chefe da unidade.


Desafios

Apesar da estrutura, a procura ainda supera a capacidade de atendimento. A fila de espera para cirurgias e procedimentos permanece alta, refletindo a demanda regional e a complexidade dos casos que chegam ao hospital. Para a equipe, o desafio é equilibrar os recursos disponíveis com a urgência dos pacientes, sempre buscando reduzir riscos e ampliar a cobertura.

- É uma demanda muito grande, mas seguimos tentando dar conta na medida do possível. Com a realização dos mutirões e a organização em rede, conseguimos avançar. O mais importante é que cada paciente receba o tratamento que precisa - conclui a enfermeira.




Unidade de Sistema Cardiovascular do HUSM em números

Cirurgias cardiovasculares
São os procedimentos de alta complexidade feitos no coração e nos grandes vasos

  • 2022: 221 cirurgias (108 com perfusão)
  • 2023: 296 cirurgias (118 com perfusão)
  • 2024: 303 cirurgias (148 com perfusão)
  • 2025 (01/01 a 03/09): 237 cirurgias (124 com perfusão)

Hemodinâmica
Área que estuda e trata doenças do coração e dos vasos sanguíneos por meio de cateteres e exames invasivos

  • 2022: 649 cateterismos | 310 ACTP
  • 2023: 446 cateterismos | 276 ACTP
  • 2024: 430 cateterismos | 295 ACTP
  • 2025: 431 cateterismos | 203 ACTP

*Cateterismo: exame que utiliza um cateter para visualizar as artérias do coração e avaliar se há obstruções ou problemas
*Angioplastia Coronária Transluminal Percutânea (ACTP) procedimento em que um balão (e, muitas vezes, umA tela metálica expansível, em forma de tubo, chamada de stent) é usado para desobstruir artérias coronárias entupidas



Ambulatório
Consultas de acompanhamento e avaliação dos pacientes com problemas cardíacos

  • 32 agendas mensais para a cardiologia

Unidade Coronária (UCO)

Espaço especializado no atendimento a pacientes com infarto ou outras emergências cardíacas

  • 10 leitos privativos
  • Equipe multiprofissional: médica rotineira, coordenadora de enfermagem, 10 médicos cardiologistas, 33 técnicos, 11 enfermeiros, nutricionista, fisioterapeuta 24h, farmacêutica clínica, terapeuta ocupacional, assistente social e psicóloga.


Exames complementares
Testes e imagens que ajudam a diagnosticar e acompanhar doenças do coração

  • Eletrocardiograma (ECG)
  • Ecocardiograma (convencional, de esforço e transesofágico)
  • Radiografia de tórax
  • Tomografia Computadorizada cardíaca
  • Ressonância Magnética Cardíaca
  • Angiografia / Cateterismo Cardíaco (invasivo)
  • Monitorização de ritmo cardíaco (Holter e contínua)
  • Teste de esforço com monitorização cardíaca
  • Cintilografias
  • Biomarcadores sanguíneos

Equipe da USCV

Profissionais de diferentes áreas que atuam de forma integrada no cuidado ao paciente cardíaco.

  • 1 coordenadora geral
  • 5 cirurgiões cardiovasculares
  • 2 enfermeiros perfusionistas
  • 4 médicos hemodinamicistas
  • 2 equipes de cardiologistas clínicos para unidade de internação

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